Passar quatro horas por dia, três vezes por semana, ligado a uma máquina não basta. O paciente renal crônico ainda precisa ter a sorte de nascer em uma cidade com tratamento. Caso contrário, passará horas na estrada, em ambulâncias lotadas, ou terá que abandonar a família e a terra natal para viver precariamente em pensões ou periferias de grandes centros urbanos.
A situação é vivida por diversas pessoas que moram em 23 das 77 microrregiões de Minas sem unidades de hemodiálise ou diálise peritonial, os dois tratamentos existentes.
Os “vazios assistenciais”, como são chamados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), correspondem a quase 30% das microrregiões, áreas formadas por um conjunto de cidades onde deveria existir ao menos um polo responsável pelo atendimento.
“Não é possível que a geografia vá ditar a regra do jogo, que a pessoa que nasce no lugar ‘errado’ vá morrer por falta de assistência”, lamenta a promotora de Defesa da Saúde Josely Ramos Pontes. Quem mora nesses locais tem que se deslocar até 300 km para chegar a um município com o serviço.
Guanhães, Santa Maria do Suaçuí e São João Evangelista fazem parte das 23 microrregiões que estão nessa situação. No caso de Guanhães, os pacientes de hemodiálise precisam viajar 141 km até Itabira para o tratamento.
Segundo informações da Secretaria de Saúde, veículos disponibilizados pelo município, leva semanalmente, de segunda á sábado, 11 pacientes à cidade juntamente com seus acompanhantes.
O estudo “Rede de Atenção ao Portador de Doença Renal Crônica”, feito pela SES no fim de 2015 – mas que se mantém atualizado – mostra que os principais vazios estão na macrorregião Nordeste, onde há cinco microrregiões sem nenhum serviço ao paciente renal. Em seguida, vêm a Norte e a Leste, com quatro áreas cada uma, a Sudeste, com três, e a Jequitinhonha, a Sul e a Centro, com duas.
Desassistência
A coordenadora da Rede de Atenção a Doenças Crônicas do Estado, Márcia Dayrell, explica que as cidades que compõem as microrregiões são responsáveis por garantir os serviços de média complexidade – enquanto as macrorregiões ficam a cargo da alta complexidade. “Mas a hemodiálise, apesar de ser de alta complexidade, é um serviço que deve estar na microrregião, porque o paciente precisa dele no mínimo três vezes por semana”, avalia Márcia.
No entanto, o que se vê é uma desassistência no setor. Segundo o presidente da Sociedade Mineira de Nefrologia, Daniel Calazans, nos últimos 15 anos houve um aumento de 135% no número de pacientes renais crônicos no Brasil, entre outros fatores, porque surgiram mais casos de hipertensão arterial e diabetes mellitus (as duas principais causadoras da doença renal).
Hoje, cerca de 112 mil pessoas fazem diálise no país; 11 mil em Minas. O crescimento da assistência, por outro lado, foi de 35% no mesmo período, fase em que ao menos 77 clínicas fecharam as portas no país.“É importante haver mais engajamento do setor público com os prestadores de serviço para que não haja tanta defasagem”, defende Calazans.
O Sistema Único de Saúde (SUS) paga R$ 179 por sessão de hemodiálise, sendo que o custo real, incluindo insumos e pessoal, seria de R$ 256, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. Atualmente, 66% do serviço é oferecido pela rede privada, 24, por filantrópicos, e 10%, pelo setor público.
Por Folha com informações O Tempo
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