Mesmo sofrendo violência doméstica durante 20 anos da sua vida, criou seus três filhos com o fruto do seu trabalho na boca do forno.
Mãe, em toda plenitude e com todos os desafios, muitas vezes sacrifícios, acertos e erros, amor e mais amor, talvez essa seja a melhor palavra que defina Maria da Conceição Souza, quitandeira de 43 anos.
Ainda jovem, aprendeu os ofícios de um trabalhador braçal, na Conquista, zona rural de Senhora do Porto, onde nasceu. Foi lá também que aprendeu que o sustento de uma família não vem de graça, vem de um trabalho árduo e diário, como o que fazia ao trazer para Guanhães em um cargueiro, 11 latas de quitanda, produzidas pela mãe, para vender e tirar dali o sustento de todos.
A produção das quitandas, que a partir dali viraria a sobrevivência de sua família, começou quando se mudou para Guanhães. “Aprendi a fazer por aperto, quando cheguei aqui via meus filhos passando falta e comecei a fazer para alimentá-los”, lembrou.
Durantes os setes meses que morou de aluguel, trabalhava de manhã em uma padaria, mas o trabalho só estava começando. “Com o dinheiro que recebia comprava o que precisava para fazer as quitandas e assim quando chegava em casa virava a noite na boca do forno”, contou e completou dizendo que pouco tempo depois mudou para o endereço onde reside até hoje.
Ainda viva em sua memória, “Ceição” como é conhecida, relembrou um pouco de todo sofrimento que passou. “Eu não tinha nada dentro de casa, e as pessoas viam a minha luta e encomendavam os biscoitos para ajudar, mesmo que não tivesse bom. Nessa época vendia 1 kg para no dia seguinte comprar outro”, compartilhou mostrando as marcas de sua luta, os braços queimados pelo fogo.
Mas a vida parece ter dado a Maria, não só disposição e a coragem, mas também vitalidade, força e alegria que contagiam. Ao contar a sua história, deixava claro que nada a fez desistir, nem mesmo a violência doméstica que sofreu durante 20 anos de casada.
“Sempre fui agredida pelo meu ex-marido. Mas teve um dia que não suportei mais. Isso aconteceu no Dia das Mães, quando levantei cedo para fazer um almoço para minha mãe. Nessa data ele veio para me bater e meu filho mais novo disse ‘não pai, hoje não, por favor’, foi aí que tomei coragem para separar e denunciá-lo”, desabafou.
Mas o sofrimento ainda não havia acabado. “Ele ficou muito bravo com o pedido de separação e ameaçou me matar, passei 30 dias trancada em um quarto, pois ele levou chumbinho, faca e outras armas para dentro de casa e colocou debaixo do colchão dizendo que não ia sair de lá”, contou recordando os dias difíceis que teve ao lado dos filhos Maurício que hoje tem 23 anos, Wilson de 21, e Willian de 19.
Há seis anos separada, Maria conta que apesar de todo sofrimento é feliz e realizada “Hoje sou feliz, graças a Deus criei meus três filhos, trabalho dentro de casa e não pago aluguel. A vida toda trabalhei honestamente, chorei, sofri e passei fome, sempre buscando para os meus filhos, e digo consegui comprar tudo que tenho com o dinheiro das minhas quitandas”, afirmou.
A quitandeira por amor, fez questão de lembrar do seu parceiro de todas as horas. “Minha ferramenta é o meu forno, até hoje busco caminhão de lenha lá no Jacaré, carrego e descarrego tudo, não tenho preguiça e não esmoreço com nada”, e brincou: “minha mão é calejada, pior que a de homem”.
Hoje “Ceição” faz 24 tipos diferentes de quitanda, 20 tipos de salgado e também ovos de Páscoa. Em média, a quintadeira produz por semana de 30 a 35 kg de deliciosos biscoitos.
Com apenas a 4º série de roça, mas com o diploma na faculdade da vida, Maria tem ainda alguns sonhos para realizar. “Só Deus sabe a luta que tive com meus filhos, sempre me ajudaram a entregar as quitandas a pé ou de bicicleta, e ainda me ajudam.
Hoje meu filho mais novo é quem faz a entrega, depois que tirou a carteira estou pagando uma motinha para ele. Não tenho vergonha de dizer que todos aprenderam a ajudar dentro de casa. Com eles criados, meu sonho agora é comprar um carrinho e quero ainda poder ver a Manoela (netinha de 9 meses) trabalhar aqui do meu lado”, confessou.
E não é só Maria que tem sonhos, o filho mais velho, Maurício de Souza, que aprendeu o ofício da mãe, hoje trabalha em uma padaria e quer levar os dons da família a diante.
“Vejo que nossa felicidade é ver o cliente satisfeito, por isso, futuramente pensamos em abrir juntos, uma padaria”, comunicou, compartilhando também outro sonho guardado pela mãe.
Para os três filhos o sentimento pela super mãe é um só: amor pleno. Mais do que uma mãe, para os homens da vida de “Ceição”, ela é uma “heroína”.
Por Folha
Fotos: Filó Generoso e Aylma Castro
Deixe um comentário