Sensíveis, determinadas, frágeis, fortes, delicadas, ativas, românticas, surpreendentes, simples, exóticas, essenciais.
Assim somos nós mulheres no emaranhado da vida cotidiana.
Assim são as mulheres comprometidas com a vida.
Vida nem sempre fácil, nem sempre suave para muitas.
Vida dura, lida dura no campo.
Vida intensa que começa com o céu ainda escuro para quatro mulheres de fibra e de fé, que a reportagem da Folha encontrou e agora conta um pouco do universo e do cotidiano diferente que vivem juntas.
Geralda Alves de Lima – 65 anos, matriarca, trabalhadora rural, viúva de Zé Dunga.
Eliane Alves de Lima – administradora rural, solteira, casada com a lida, sem direito a TPM.
Rapahaelly Silva Lima, 16 anos, vaqueira, menina-moça, poetisa, estudante do 2º ano do médio e do 3º módulo de técnico em mineração. Sonha em ser atriz. Festas, baladas, shows? Uma raridade, que não a afasta de sua rotina com os animais.
Maria Eduarda Silva Lima, ou simplesmente Maria, 11 anos, ainda uma menina, estudante da 6ª série do fundamental, adora cuidar do jardim, dos cavalos, companhia inseparável da vó Geralda. Sonha em ser veterinária.
Não importa se tem sol ou chuva, se faz frio ou calor. Nas quatro estações do ano, no Sítio Dunga na Santa Cruz, em Guanhães, o dia começa sem trégua e sem muito espreguiçar para essas mulheres.
Há quatro anos, depois que o Sr. Zé Dunga faleceu, o sítio passou a ser administrado pela filha Eliane, braço direito do pai, com quem aprendeu a amar e a gerenciar a vida no meio rural.
Para dar conta do imenso e duro trabalho na roça, Eliane conta com o apoio e o trabalho da mãe Dona Geralda, com quem divide as preocupações e decisões sobre o sítio. Outra ajuda imprescindível vem das sobrinhas Raphaely e Maria.
“Depois que meu pai morreu acabei tendo que assumir a responsabilidade por todo o serviço. Todas as decisões são tomadas por mim e minha mãe, mas a ajuda das meninas é muito importante. Esse nosso trabalho não é muito fácil, por isso contamos umas com as outras”, comenta Eliane, que conta ainda com o trabalho rente do inseparável vira-lata Tiuzinho, na hora de reunir o gado.
O dia no Sítio Dunga começa às 05:30h, momento em que Eliane se levanta para tratar das galinhas e em seguida buscar as vacas para a ordenha, que acontece duas vezes ao dia.
Às 06:00h, Eliane e a sobrinha Raphaelly já estão no curral ordenhando as vacas. O leite é vendido para uma cooperativa e levado de carroça até o ponto de coleta, por Maria, a caçula da família, que também ajuda na horta, no jardim e quando não está na escola, é companhia constante da avó Dona Geralda.
Depois da ordenha é hora das meninas irem para a arrumação da casa e os afazeres da escola, enquanto Dona Geralda que já cuidou da horta e do jardim, prepara o almoço da família.
Raphaelly e Maria, são suaves, fortes e decididas. Amam a vida e o trabalho no campo e se dedicam a tudo que fazem. Mesmo no campo, as irmãs são antenadas e como toda adolescente da idade delas, amam estar em contado com outros jovens e sabem tudo de internet e de redes sociais. Um contraste que agrega um charme ainda maior a elas.
Mesmo com a rotina pesada, as quatro mulheres do Sítio do Dunga não perderam a ternura. Cabelos e unhas tratadas, brilho intenso no olhar e um sorriso que acolhe de imediato quem no pequeno paraíso se achega ou de maneira mais impactante vai conhecer e registrar seu dia-a-dia.
Cheia de energia, Eliane não para e mesmo durante a reportagem, não mudou sua dinâmica respondendo a todas as perguntas sem deixar o trabalho. Atualmente está “ andando de rodas” com a irrigação da horta plantada onde foi colhido um milharal.
Perguntada sobre o segredo de tanta energia e de onde tira força para o trabalho incansável, Eliane ensina: “o segredo é dedicar e ter sempre as mãos ocupadas. Não tenho tempo nem mesmo para a TPM, nem sei o que é isso. O trabalho, apesar do nosso aqui ser bem pesado, é o que nos move, nos deixa felizes e nos torna mulheres com mais saúde. O contato com a natureza e os animais também nos faz melhores. Manter as mãos ocupadas é o segredo, um santo remédio especialmente para nós mulheres que somos mais emotivas e por isso nos chateamos e até nos deprimimos com mais facilidade.”
Dona Geralda, mãe de oito filhos, coração e seio da família, aos 65 anos se tornou mãe outra vez.
A tarefa de criar as netas, missão para a qual conta com a parceria da incansável Eliane, começou desde que o filho se separou em São Paulo. “Há sete anos assumi a criação das meninas. Em 2005, quando elas chegaram, a Maria era pouco mais que um bebê, tinha uns 03 anos e Raphaely uns 09 anos. Às minhas netas, ensino o amor pela família, pelo trabalho, dedicação aos estudos e muita fé em Deus. A honestidade deve ser também um valor em todas as situações da vida”, recomenda a sexagenária, que diz desconhecer as artrites próprias da idade.
Na propriedade não existe mão de obra masculina, todo o serviço é feito por mulheres. A exceção fica por conta dos extensionistas da Emater, Leonardo Sardinha e Mozair Pinto, parceiros do Sítio Dunga, desde os tempos de Sr. Zé Dunga.
Eliane destaca a importância da parceria: “a presença da Emater na nossa vida é tudo. Sem as técnicas e a assistência que nos são passadas e repassadas pelo Léo e pelo Mozair não teríamos a produtividade que temos.”
São dois alqueires e meio de terra produtiva, numa agricultura tipicamente familiar, conforme explica, Mozair Pinto: “mão de obra, renda, tamanho da propriedade, diversificação de atividades (piscicultura, avicultura, lavouras diversas, gado de leite, suinocultura, fruticultura, são itens que classificam o sítio e a vida dessas mulheres como uma agricultura tipicamente familiar. Afinal, é daqui que elas tiram todo o seu sustento; elas vivem e sobrevivem aqui e daqui”.
Mas, a destreza com que trabalham e realizam suas funções tipicamente masculinas, como tirar leite (a ordenha é manual), ajuntar o gado, fazer o queijo, arrear os animais, armazenar e transportar os produtos para a feira do Mercado Municipal de Guanhães, deixam qualquer “marmanjo” experiente de boca aberta.
A delicadeza dos gestos, não diminui a intensidade nem a eficiência do trabalho. Tudo no Sítio Dunga é feito com amor, cuidado, dedicação, respeito pela natureza, união, alegria e fé.
Do jardim ao trato com os animais, do plantio à colheita, passando pelos silos ou saboreando o queijo, a quitanda, frangos abatidos e dessossados, peixes, os doces, as verduras, as frutas, enfim, toda a intensa e diversificada atividade rural confere ao sítio alta performance produtiva.
O título de propriedade modelo, deve ser creditado às mãos laboriosas dessas mulheres em quatro estações: Dona Geralda, a matriarca; Eliane, a administradora, a força motriz de toda a propriedade; Raphaelly, a vaqueira e poetiza de 16 anos, e Maria, a menina de 11 anos, que nas rédeas da charrete do leite, visita o futuro, diariamente, como veterinária.
Mãos, mentes, úteros e corações férteis a trabalhar, cultivar, adubar, florir e especialmente a multiplicar exemplos e frutos de uma vida mais simples e mais saudável. Repleta de pequenos sonhos e de inúmeras realizações de grande valor pessoal e coletivo.
Onde estiver, Seu Zé Dunga, deve estar orgulhoso dessas mulheres....Não sem razão e com mérito.
Confira mais fotos dessas quatro guerreiras no link do Mural de Fotos :
http://folhadeguanhaes.com.br/folha/muraldefotos/guanhes-propriedade-rural-tocada-por-quatro-mulheres.html